14.1.08

Promessa de Ano Novo*

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.....Ela estava em seu quarto, sentada na beira da cama, olhando pela janela. Lembrava das comemorações de final de ano. Ceia de Natal em casa, almoço na casa dos avós, muitas risadas durante o réveillon… Listava também, em sua mente, metas para 2008. Em outro momento, passaria tudo para o papel, juntamente com o planejamento, o step by step para realizar cada objetivo. “A vida passa muito rápido”, pensou, “está mais do que na hora de cumprir minhas promessas e realizar os meus desejos”.
.....Sorriu, satisfeita, como se possuísse poderes imensuráveis para realizar todo o “impossível”. Imaginou-se então, naquele mesmo local, apreciando o formato das mesmas nuvens, no início de 2009. “Estarei eu elaborando uma nova lista? Muito provável que sim…”
.....Começou a analisar, então, o dia-a-dia das pessoas. Notou que não só nas passagens de anos se fazem promessas e listas e mais listas… mas também todos os dias. “E quando eu realizar tudo o que está em minha lista, qual será o passo seguinte? Elaborar uma nova lista…”. Respondeu a si mesma.
.....Neste momento, ouviu cantos de passarinhos e começou a imaginar como seria a vida dessas pequenas criaturas. Sempre alegres e talentosas, cantam todos os dias, a qualquer horário. Felizes, não porque realizam, conquistam… mas simplesmente porque vivem.
.....Ficou imaginando, então, quanto tempo de sua vida concentrou suas energias apenas em metas, objetivos. O seu conceito de felicidade estava sempre no futuro, sempre na maçã no alto da árvore que desejava tanto alcançar. Imaginava que só estaria feliz quando estivesse com essa maçã nas mãos. Porém, o ano novo transformara algo dentro dela. Notou como sentiu-se plena ao estar na companhia de seus familiares, ao ler seu livro preferido… Não se sentia satisfeita apenas ao terminar a leitura. Sentia-se bem durante todo o processo de leitura do livro.
.....“Talvez o ser humano foque no item errado”, pensou consigo mesma. Chegara à conclusão que, melhor que usufruir de tudo aquilo que se conquistou, era o processo de conquista. O ato de expandir os horizontes, dar passos mais largos, voar mais alto, sentir que se está ficando mais forte… “Afinal, não é isso que o ser humano leva para outras vidas?”, pensou, “A experiência, o aprendizado, a maturidade…” Decidiu, então, que a maior e mais importante das suas promessas seria a de estar atenta a cada milésimo de segundo de sua vida, na confiança de que tudo daria certo, sem deixar de sentir a alegria de cada momento.
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*Este texto faz parte de um projeto "ainda sem nome", que consiste na elaboração de textos originados de temas sugeridos por uma mediadora. Cada participante escolhe um tema e seu texto, depois de postado no blog, recebe uma crítica de outro participante.

O texto Promessa de Ano Novo recebeu a crítica de Marco Aurélio. Leia logo abaixo:

"Eu sou um cínico. Sei que é estranho começar uma crítica assim; mostra, no mínimo, grande egocentrismo por parte do crítico. É isso também, mas não só: preciso deixar claro meu cinismo constante para explicar logo de cara por que não gostei do texto "Promessa de Ano Novo", de autoria da colega Fábia Zuanetti, ou Senhorita Inefável. Se ainda me restasse alguma fé na humanidade, talvez fosse capaz de apreciar o texto. Acho, no entanto, que a humanidade encaminha-se para o buraco, e já vai tarde. Sendo assim, o texto me pareceu apenas um pastiche de auto-ajuda, e só me fez sorrir. Um sorriso torto, cínico, é claro.

Se o cinismo não permite que eu analise a mensagem do texto de forma equilibrada, atenho-me a detalhes mais técnicos. Para começar, está escrito corretamente. Exceção feita ao estrangeirismo desnecessário do primeiro parágrafo ("step by step"; o que há de errado com "passo a passo"?) e ao famigerado e inexistente verbo "focar" do final, o texto é bem escrito.

De resto, a autora não parece à vontade. Isso seria compreensível, tratando-se de um texto-tarefa, cujo objetivo é ser analisado por pessoas desconhecidas, talvez até um crítico cínico e desalmado (que deus nos livre). Mas estudamos para ser jornalistas, e a pressão desse leitor invisível e cruel é uma constante na profissão. Enfim, é mera suposição de minha parte.

Outro aspecto que me incomoda é a presença da autora no texto. Assim como um bom árbitro de futebol é aquele cuja presença não é notada no campo, o bom escritor é aquele que não se deixa ver naquilo que escreve. Ver o rosto do manipulador acaba com a graça de qualquer apresentação de marionetes. Principalmente na falta de fluidez do texto, nos saltos de pensamento da narradora, nota-se a autora mexendo as cordinhas, manipulando. A personagem não vive, é um mero fantoche.

O que vejo é uma pessoa com talento, mas que precisa de um pouco mais de sabor, de tempero em seu texto. O negócio é ler e reler livros de autores mortos e escrever todos os dias. Fiar-se demais na inspiração não dá resultados, é preciso estar disposto a transpirar também.
"

Marco Aurélio é estudante de jornalismo, cínico e egocêntrico (mas acredito não ser uma má pessoa), cético e autor do blog http://www.jesusmechicoteia.com.br/.

13 comentários:

Vinícius Peixoto disse...

Acredito seriamente que a questão de promessas de ano novo esteja de certa forma intrincada no ser humano.
Crescemos aprendendo com nosso catolicismo barato que a renovação dos anos tem a ver com Jesus Cristo e tudo o mais...
No final das contas, nos sentimos na obrigação de renovar certas pessas de nossa vida.
Eu já fiz muitas promessas de ano novo e não cumpri. Há fiz outras tantas que levei até o final.
Mas como dizer que isso não é um empurrão para os próximos doze meses? Impossível.
Parabéns pelo texto.

Silvia Helena & Fábio Pereira disse...

Há vezes que a gente vive [em uma expectativa sem fim] mais o futuro do que o presente.

Esquecemos que o que está por vir, o futuro, depende do hoje.

O texto da Srta. Inefável traz um alerta importante. O nosso grande momento é o "agora".

Ótimo texto!

Iobaf´ disse...

Poxa, Fábia, meus parabéns. O texto está muito bem escrito - pude ver a menina - e sua abordagem sobre o tema ficou muita boa, realmente, pois, nos faz refletir.

Alexandre disse...

Olá Fábia.

Fiquei feliz de saber que você também está no projeto coordenado pela prof. Ana. Parabéns.

Gosto dos seus textos, já lhe disse isso. Sei que seu blog desenvolve textos mais reflexivos mas aproveite o projeto para tentar outras formas (algumas mais outras menos jornalísticas).

Prof. Alexandre

Zúnica disse...

Olá!
Estava circulando pelos blogs que fazem parte do projeto da professora Ziccardi e, que surpresa maravilhosa esbarrar neste aqui. Já me desanimava ao percorres a lista (o seu era o último) de blogs, pois, mesmo tendo todos textos incríveis, alguns realmente geniais, faltava ainda um toque feminino. faltava poesia.

Gostei muito do seu texto de ano novo, mas fiquei apaixonado pela sua poesia. O poema "O seu olhar - Ceu mar", é incrível. A musicalidade, o ritmo, o jogo de palavras e o sentido formam um conjuto poético fabuloso. Parabéns.

Fábia Zuanetti disse...

Zúnica,

Agradeço a visita ao blog.
Sinta-se a vontade para voltar mais vezes. Porém, esclareço que "O Seu Olhar" não é de minha autoria. É uma letra de música escrita por Paulo Tatit e Arnaldo Antunes e interpretada pela cantora Ceumar.

Um abraço,
Fábia

Zúnica disse...

Bom, mesmo não sendo seu o "Seu olhar" (ficou legal isso!), ainda assim gostei muito dos outros textos. O poema "Agressivo" é muito bom.

Virei mias vezes, com certeza. E, quando sobrar-lhe algum tempo, dá um pulinho lá no www.prozaczone.blogspot.com. Acho que vc vai gostar de dois textos: "Um grande passo para o salto alto" e "dostoiévsky". MAs nunca se sabe...

Abraço!

Anônimo disse...

Oi, Fábia, desculpe a demora em passar aqui.

Em seus textos, ficam claros sua vontade de escrever e seu prazer em publicá-los.Eles mostram a facilidade que vc. alcançou em colocar idéias e pensamentos no papel. Mas sinto que você deva libertar-se do compromisso em "dizer" algo através de suas personagens e seus textos.Apenas escreva, sem a preocupação de atingir o leitor e atreva-se.

Fábia Zuanetti disse...

Só para esclarecer, o blog "Em Busca do Inefável" foi criado com um propósito: a busca pelo inefável. Por isso, sempre a preocupação em "dizer" algo através dos meus textos, por isso as constantes reflexões...

Lembro-me bem das aulas de português no início da faculdade:
"Quem escreve, escreve algo, deseja dizer algo."

E para quem? Como todo escritor, obviamente, eu possuo um alvo. E que alvo seria esse senão o leitor?

Sabrina Rocha disse...

Acho que esta foi a melhor promessa de ano novo que eu já vi/ouvi/li.
Por tudo isso acho que o "O fim justificam os meios" não cabe aqui e não cabe na vida. Mas através dos meios é que teremos um fim.
Bjo
Feliz Ano Novo

Anônimo disse...

Vamos lá, então! Alguém já disse: a criatura volta-se ao criador, oh, Deus...

Vc. está certíssima, Srta.Inefável, conheço uma professora que até hoje diz isso, no entanto, quer referir-se mais especificamente aos textos não-literários. Mas vou me explicar melhor: vc. sempre escreverá para um leitor, ele sempre existirá,e sempre será "ideal".No entanto, acredito que o texto deva vir antes do leitor, entende ? O texto flui, se constrói e depois encontra seus leitores.

Beijos, Moça Inefável ...

Silvia Helena & Fábio Pereira disse...

Encontro-me em um espaço democrático. Escrevo, agora, no campo destinado a comentários do blog Em Busca do Inefável. Essa revolução feita por meio dos blogs (onde tanta gente pode dizer o que pensa) renovou aquilo que o jornalismo havia abandonado lá pelos idos do século XX: os debates literários. Os polemistas remanescentes agradecem. Vamos em frente.

Alguns leitores deste espaço na internet não ignoram, mas não me cansa declarar o seguinte: a autora deste sítio, Srta. Inefável, e eu namoramos. Estou sempre por aqui comentando, incentivando, dizendo o que gostei. Faço isso como leitor e como cúmplice que sou. A Srta. Inefável conhece a minha lei: se ela entra em um projeto, estou junto a ela. E vice-versa.

Li a crítica a respeito do texto Promessa de Ano-Novo. Resolvi me manifestar. Democracia é isso, não é?

Vamos lá.

Marco Aurélio, autor da crítica, é criador do blog Jesus me Chicoteia!. O nome é original. Ninguém pode dizer o contrário. Há mais de dois mil anos ouve-se a mesma cantilena: Jesus, o filho de Deus, seria uma pobre vítima da crueldade humana. Marco Aurélio, com grande visão, mudou a História. Jesus, agora, foi posto em um lugar de verdugo. Na verdade, um grande lobo que se vestiu de cordeirinho divino. E acho que nenhum escritor em início de jornada com tamanha autoridade e coragem como tem este Marco Aurélio pode ficar sem nossa admiração inconteste.

O crítico confessa no primeiro parágrafo ser cínico. Inteligente que é, para se declarar cínico, deve ter devorado a filosofia dos gregos Antístenes e Diógenes, pensadores adeptos do cinismo como forma de ir contra os valores sociais e culturais de sua época. Ser cínico, segundo o dicionário Michaelis, editado pela Melhoramentos, é ser “descarado, fingido”. Marco Aurélio, claro, deve ser cínico apenas nos momentos de folga, quando está em lazer. Já que fingimento e jornalismo, ciência a que se propôs estudar, não combinam.

Ao ler o fim do primeiro parágrafo, preocupei-me. O autor diz o seguinte: “Se ainda me restasse alguma fé na humanidade, talvez fosse capaz de apreciar o texto [Promessa de Ano Novo, de autoria da Srta. Inefável]. Acho, no entanto, que a humanidade encaminha-se para o buraco, e já vai tarde”. Marco Aurélio é uma pessoa de grande valor, capaz de realizar muito. Seria muita tristeza ele querer que o mundo acabasse logo...

O segundo parágrafo está delicioso. O autor parece começar a querer levar a crítica a sério. Aparentando ser um nacionalista convicto, patriota que não gostaria de ver seu Brasil querido ir ao buraco juntamente com o resto da humanidade, diz que os estrangeirismos são desnecessários. Marco Aurélio evoca uma discussão longa, que não é de hoje. Dizer que todo estrangeirismo é desnecessário equivale a censurar aqueles cafés com creme e cereja em cima. Estrangeirismo e chantilly (que adocicado estrangeirismo francês!) são questão de gosto. Eu, pessoalmente, evito estrangeirismos quando escrevo. Fujo deles. É uma opção. Mas não posso dizer quem tem ou não tem direito de se valer deles, como não tenho o direito de atacar aquele que adora uma cereja no café cremoso. Detesto cerejas. No mais, o idioma é vivo. Não prevalece sobre ele a minha vontade nem a de ninguém. Existem palavras e expressões que foram estrangeiras há muito tempo, para logo se incorporar ao idioma: Abajur, por exemplo. E outras estão à espera, como lingerie. Ambas francesas.

Ainda no segundo parágrafo: o autor afirma que o verbo “focar” é inexistente. Vou, então, redigir um telegrama mais que urgente à equipe responsável pelo Dicionário Houaiss, já que a sua última edição contempla, sim, este verbo, que é uma derivação do famoso “focalizar”. Fico triste que uma equipe tão competente, liderada pelo já falecido Antonio Houaiss, tenha cometido um erro tão absurdo, que é reconhecer a existência desse verbo. Equipe esta que trabalhou sem receber salário nos últimos seis meses antes da publicação do dicionário. É que tinha acabado o dinheiro para o projeto...

Terceiro parágrafo: Ele diz que a autora não estava à vontade, declara ser um crítico desalmado, escreve Deus com letra minúscula (não há nada de errado nisso, pois não ataca a fé de ninguém), fala um pouco sobre a profissão jornalística e só. Não comentarei o parágrafo, pois, ao final, ele declara que foi mera suposição. Não posso comentar suposições. Seria pior que ficar supondo sem fatos.

Mais adiante, o crítico se diz incomodado com a presença da autora no texto. Provavelmente, ele se incomoda com boa parte da Literatura, já que uma das características mais presentes nesta forma de arte é o chamado eu-lírico. A conhecida primeira pessoa. Para defender sua tese, o crítico usa analogias interessantes: uma diz que todo escritor é como um árbitro de futebol, cuja presença não deve ser notada em campo. Depois, avisa que o autor é como um controlador de marionetes, que, igualmente, não deve aparecer. Recordei-me de um jogo de várzea a que assisti certa vez. O juiz não era notado. Apitava falta e o jogo continuava. Anulava gol e o time continuava comemorando. Expulsava jogador e não era obedecido. Teve um momento em que apanhou. O juiz, para aquela gente sem nenhum espírito esportivo, não deveria aparecer.

Ao final de tudo, Marco Aurélio dá um conselho que, em minha modesta opinião, é importante, digno de respeito. Aconselha a leitura de escritores já mortos. Concordo. Só lembro que a gente deve tomar cuidado para não querer escrever, hoje, como se vivesse em algum século passado. Muita gente, por exemplo, usa o sinal gráfico ponto e vírgula ( ; ) sem critério nenhum, pura e simplesmente para aparentar uma falsa erudição. Não é o caso de Marco Aurélio, que demonstra conhecer a fundo nossa gramática.

Fábio Pereira

Zúnica disse...

Sei que a discussão já deu o que tinha que dar por baixo dos panos, mas não posso deixar de registrar aqui minha impressão acerca do fuzuê.

Fábio, concordo em alguns pontos com você, como quanto a liberdade de estrangeirismos e ao verbo "focar". No entanto, existem dois quesitos importantes que você não está levando em consideração: o direito do Marco de não gostar de um texto e, segundo, com relação ao posicionamento da autora dentro do texto, uma vez que o Marco não se referiu a narrativas em primeira pessoa ou a Eu-lírico (duas coisas diferentes), e sim à articulação da personagem, que ele achou limitada - impressão que fica também ao gosto do leitor.

Acho incrível que, na posição que se encontram todos os integrantes do projeto, de criticos e criticados ao mesmo tempo, as opiniões sejam sinceras, e não uma troca de gentilezas. Seria ótimo que trocássemos opiniões sobre os textos de todos, mas sem jamais repreender a opinião alheia.

Grande abraço!